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CHARGES POLÍTICAS

A Charge do Dia

A Forja e Jornal Imural
CAp UFRJ   1966

No CAp, Colégio Aplicação da UFRJ, havia um jornal chamado A Forja, feito em papel de jornal no formato tablóide, que se tornaria a primeira publicação em que trabalharia na vida. Havia também um jornal de humor, pensado para ser pregado ao mural da escola, chamado Imural. 

Eu adorava tanto a Forja quanto o Imural, e em 1966 comecei a participar de ambas, escrevendo e desenhando. Até que um dia eu e outro colega de turma, Marcelo Gomes - já um excelente desenhista, filho do jornalista Pedro Gomes nos tornamos a nova dupla de editores dos suplementos de humor dos jornais. 

Ambas as seções editadas por nós tornaram-se um sucesso dentro do CAp. Corria o auge da Guerra do Vietnã, éramos todos evidentemente contra os americanos, e fizemos do primeiro número do Imural sob nossa edição um especial sobre o conflito. Eu tinha as ideias e desenhava os cenários, e Marcelo, muito mais talentoso do que eu, era responsável pelos personagens e detalhes. A coisa foi dando certo, e começamos a nos animar.

Nessa época, ainda no CAp, sofri minha primeira experiência com a censura e, de certa forma, com a brutal dureza que começava a assolar a realidade política brasileira no ano de 1966. Um artigo sobre Timothy Leary e o LSD, escrito por mim para ser publicado na Forja, foi proibido, como nos informou a direção da escola. Decidimos rodar o jornal com essa sessão e outras tantas em branco, em protesto contra a censura, como fazia na época o Correio da Manhã. Não sabíamos exatamente quem havia de fato nos censurado, se fora o Colégio ou obra de algum órgão da censura oficial – algum pau mandado do governo dentro do CAp, que, afinal, era federal.

Charge Marcelo Gomes

O Centavo
Revista Cruzeiro   1967

Para meu alívio emocional e financeiro, outras publicações então começaram a aparecer. A revista O Cruzeiro criou um suplemento de humor chamado Centavo, onde tanto eu quanto o cartunista Marcelo Gomes passamos a publicar em paralelo ao Jornal dos Sports. O Cruzeiro era uma revista de grande circulação, e foi fascinante experimentar o alcance maior do cartum.

Jornal dos Sports
1967

Nessa época, o cartum era bastante relevante e o Jornal dos Sports deu início a um processo de recolocação do gênero dentro da imprensa, que viria continuar com O Pasquim.

O humor gráfico assumia a função de relatar de maneira transversal o que não se podia dizer na grande mídia. Ziraldo, o editor da seção no jornal, valorizava o desenho. A página era muito bem-feita, bem paginada, com desenhos grandes e bonitos.

O Jornal dos Sports ofereceu um espaço ao cartum como nunca se havia visto. E a resposta do público confirmou positivamente a aposta realizada com a criação do caderno.

Ali, entrei em contato com grandes cartunistas brasileiros que eu já admirava à distância e passei a conhecer melhor o trabalho de artistas estrangeiros como André Fançois, Tomi Ungerer, Saul Steinberg, Siné, Wolinski. Nomes que tomaram de assalto meu imaginário tal qual artistas do cinema e do rock.

Revista Manequinho
Correio da Manhã   1969

O Manequinho, suplemento do Correio da Manhã dirigido pelo grande cartunista Fortuna, foi um dos melhores cadernos de humor da época. Todo mundo colaborava, o que confirmava o Correio da Manhã como um jornal excepcional e de sucesso, mesmo que claramente de oposição ao regime. Além de Fortuna, Paulo Francis (quando ainda era de esquerda), Jânio de Freitas e muitos outros grandes nomes trabalhavam para o Correio. E publicar era, para nós, fazer nosso papel de oposição ao regime, que se endurecia a cada dia.

O Pasquim
1969

No início de 1969, chegando à casa do Ziraldo, vi que na sala acontecia uma reunião. Estavam, se não me falha a memória, Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Jaguar, Fortuna e Claudius, além do próprio Ziraldo.

Era o olimpo do cartum e do humor brasileiro reunido, e minha curiosidade evidentemente se aguçou. Não participei da reunião e, mais tarde, me foi revelado que estavam começando um novo projeto. Iriam fazer um jornal independentente, inteiramente de humor. Nascia O Pasquim.

O jornal nasceu como uma publicação essencialmente carioca, falando de e para a mítica Ipanema de então. A pretensão, no entanto, evidentemente era conquistar o Brasil – ainda bem que humildade não era uma peculiaridade da equipe. Para nós, mortais leitores, era uma alegria revigorante ler o Pasquim toda semana. Os desenhos de Jaguar, suas tiras e sacadas, os cartuns do Ziraldo, as ironias ácidas do Tarso e as pontificações do Paulo Francis ofereciam um contraponto crítico solar à realidade dura da censura e da repressão – como se aquele sonho fosse, ou devesse ser, a realidade.

A grande imprensa olhava atravessado para aquele tablóide, que reinventava a linguagem jornalística, desprezava regras, estabelecia novas gírias e desmistificava o velho ofício – tirando a gravata da imprensa, como bem definiu Jaguar. Era uma luta feita com tinta, papel e máquina de escrever.

Fortuna, Jaguar e Ziraldo eram os três grandes desenhistas do jornal. Fortuna me impressionava por seu método: primeiro desenhava no impulso, com o traço mais livre e sujo, sem usar lápis, diretamente no Nanquim, experimentando, buscando, manchando o papel de preto, para depois, com tinta guache branca, tirar do desenho tudo aquilo que não era o desenho – e encontrar, no rascunho, o produto final. Era uma pessoa muito peculiar e divertida. Fortuna não era uma figura de Ipanema, glamorosa e solar, como Ziraldo e Jaguar - ele era como seus desenhos: soturno, inteligente, ácido e perspicaz.

Seis meses depois, fui até a redação do Pasquim com meus desenhos debaixo do braço. Nesses poucos meses desde a reunião fundadora o jornal já havia se tornado um sucesso. Eu conhecia o pessoal, o que facilitou um pouco meu caminho, e passei a fazer parte da equipe.
Fui contratado inicialmente para ilustrar as “Dicas”, uma sessão de notas na parte final do jornal. Eram quatro páginas escritas e assinadas por cada um dos colaboradores. Os temas eram os mais diversos, desde fofocas ligeiras sobre o que tinha acontecido no Bar Zepelim na semana anterior, à indicação de um novo livro, disco, peça de teatro ou show, até provocações ao redor de figuras públicas, artistas ou mesmo à ditadura ou à repressão - podendo se dar através de uma dica de fato, ou somente uma piada. Eu trabalhava sob a direção do Fortuna, fazendo pequenas ilustrações, sempre de acordo com o tema de cada nota.

Aos poucos, passei a ilustrar outras sessões, até o momento em que Fortuna me passou a edição gráfica das Dicas. Comecei então a fazer a diagramação das quatro páginas, me tornando o responsável por tudo que envolvia a aparência daquela sessão.

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